Dizem os estudiosos da mente
humana e de seus mitos que a criança, o adulto e o velho vivem simultaneamente
dentro de todos nós em todas as fases de nossa vida. Por isso, há crianças
cheias de sabedoria, adultos que mantêm viva a alegria e a pureza infantis,
idosos que soltam o riso como crianças, sabem manter o equilíbrio na hora certa
e sempre têm histórias bonitas para contar. Contudo, a correria, as grandes
doses de dor e mesmo a falta de coragem de insistir na busca pela felicidade
fazem com que os que passaram da infância silenciem pouco a pouco a voz da
criança que poderia acompanhá-los e contribuir para que a vida fosse menos dura
e séria. Assim, infelizmente, embora a própria ciência afirme que a criança
está em todos nós, poucos conseguem mantê-la atuante, naquilo que a criança tem
de bonito, positivo, vivo.
Ela, minha tia Anita, é uma menina.
Seu rosto, seus olhos e sua voz revelam a sabedoria de ser menina. Sem deixar
de ser uma mulher, bonita e valente, ela enche a vida de quem a cerca de
diminutivos que possuem o dom de ser colo. Minha tia dá colo com a voz!
Palavras como “filhinha”, “filhinho” e “amorzinho” chegam a nossos ouvidos com
um carinho tão grande que é impossível não sentir por ela uma ternura imensa
que imediatamente se volta em nossa própria direção, oferecendo-nos uma
sensação gostosa de aconchego, de colo. Ela, com seus diminutivos, faz com que
nos sintamos amados. E embora muitas vezes seja ela quem pareça uma menina
pedindo uma palavra de carinho, uma manifestação de afeto ou se saudade, seu
jeito meigo inverte a lógica das coisas e somos nós que ficamos a pedir que não
nos falte nunca o seu carinho.
Menina ela é. Mas menina forte,
menina sábia, que em lugar de colecionar dores coleciona esperanças. Que conserva
a alegria de brincar de casinha e, por isso, é capaz de enfrentar qualquer
reforma sem perder o rumo do sonho de estar sempre cercada de beleza. Não a
beleza imposta pela estética do mundo, mas a beleza como ela a vê. A beleza que
ela quer, nas cores, azulejos, pisos e plantas que ela quer. Porque ela é
menina, e as meninas brincam usando sua imaginação, sua capacidade de imaginar
e criar. Nas pouquíssimas, mas ricas, vezes em que estive em sua casa, jamais
deixei de me encantar com a delicadeza com que ela cuida dos detalhes, com sua
preocupação constante em ter tudo bonito, a seu gosto.
A risada alegre e mesmo certo
biquinho que surge vez ou outra também são manifestações dessa menina. Anita,
minha tia, sorri como os anjos e acaricia como as fadas. E mesmo se fica um
pouco zangada, essa zanga nunca resiste a um pedido de desculpas, um beijo de
perdão, um abraço pedindo compreensão.
Minha tia menina foi mais forte
do que as aparentes determinações do destino e voltou à escola quando poucos
imaginariam que fosse capaz disso. E não voltou somente, voltou contente, com a
mesma ilusão que têm as meninas quando descobrem o mundo através da escola. E
eu bem sei que, não fossem as responsabilidades que tomam seu tempo, e que ela
assume com igual carinho, ela iria ainda mais longe e estudaria mais e mais.
Acho que ela nem sabe, mas eu senti um orgulho danado ao vê-la lutando para
superar as limitações e ter seu diploma. Que tia essa!
Nem falo dos exemplos que deu
enfrentando problemas de saúde inúmeros, ou da determinação com que acolheu os
filhos, os netos, os irmãos e as irmãs, os sobrinhos e as sobrinhas, a
parentada toda, enfim! E agora, bisavó, ela parece ainda mais menina. Basta ver
o brilho nos olhos que surge ao falar do pequenino... E, além disso, a família
enorme se estende além dos laços de sangue, porque há amigos e amigas, vizinhos
e vizinhas, gente de toda parte que sabe muito bem a força que tem a Dona
Anita, minha tia menina.
Agora minha tia menina completa
80 anos. E sabe o que ela faz? Joga o zero fora e reinventa a idade. Faz-se
jovem, bonita, iluminada, e mostra para nós que fazer 80 pode ser fazer 8, 16,
24, 32, 40, 48, 56, 64 ou 72, porque todas as idades podem ser lindas se estão
acompanhadas dessa bela sabedoria de manter viva a criança e brincar com a
vida, sem, contudo, perder o senso de responsabilidade e justiça. Certamente
ela gostaria que eu lhe desse oitenta beijos, porque ela gosta de beijos, de
abraços, de carinho. E, se eu estivesse presente, lhe daria todos. Mas, como
não posso estar com ela, na bela comemoração de seus 80 anos, mando, em forma
de palavras, oitenta agradecimentos pela lição que ela me ensina desde minha
própria infância: manter sempre viva a ternura. Não posso dar os beijos, mas me
conforto na absoluta certeza de que outras pessoas que a amam muito terão
muitos beijos e abraços para paparicá-la como ela merece em seu dia. Assim,
minha tia Anita, aceite meus beijos virtuais e esse sentimento profundo de amor
e gratidão por ter recebido de Deus o presente de ser sua sobrinha.
Parabéns, minha tia menina,
nossa Anita, nossa querida.
Nos 80, nos 90, nos 100 e em
todos os aniversários que virão pela frente, todos nós que a amamos dançaremos
uma valsa suave, doce e delicada ditada pela alegria de tê-la em nossas vidas!
Christina
Outubro de 2010