2016 será um ano "ímpar" para mim, principalmente no que se refere ao lado profissional: três eventos importantes no exterior em que falarei sobre o épico (Granada, Atenas e Paris); o desenvolvimento e a conclusão do projeto "Jovens cronistas dos sertão", com a publicação do livro com o mesmo título; o terceiro volume de História da epopeia brasileira (escrito a quatro mãos com Anazildo Vasconcelos da Silva); a viagem cultural a João Pessoa com os graduandos e pós-graduandos de Letras da UFS; a publicação do livro Aspectos do conto contemporâneo, reunindo textos de mestrandos da UFS; a publicação de meu livro de poemas Lição de voar, com estudo crítico de Juliano Carrupt; o lançamento da Revista Épicas; a participação na organização e na realização do evento III SEDiAR que acontecerá na UFS São Cristóvão de 30 de maio a 3 de junho; a realização do projeto Sergipe é poesia! (que envolve sub-ações como "Olha o poema na escola 2", "Poesia ilustrada" e a "II Noite de Gala da Poesia Contemporânea"); e a publicação do livro Gêneros textuais na literatura infanto-juvenil, com textos dos mestrandos do PROFLETRAS/ITA! Fora algumas novidades sobre as quais falarei mais tarde!! Enfim, o ano promete!!!
*sob o signo do ar*
29 de dez. de 2015
27 de jul. de 2015
A.Mor
Christina Ramalho
O
meu amor tem um jeito manso que é só seu…
(CHICO BUARQUE)
Para
onde me levam os passos do homem que sigo como as transparentes águas do rio
obedecendo a seu leito? Para onde me leva este amor envolvente e terno como o
aconchego maternal que nos surpreende e resgata nos momentos de dor? Como
distrair o pensamento em coisa outra qualquer que não a doce fluidez de tua
essência se derramando em mim? Como reinventar o tempo distante, como ter
outras lembranças, se não me reconheço fora do que a tua presença me trouxe de
espelho? Serão necessárias as perguntas, quando meus poros respiram o sim que
meu peito reflete? Poderão ser mais sinceras quaisquer respostas que a
intraduzível verdade que vibra as cordas da minha emoção? Perguntas, meu A.Mor,
apenas perguntas que brotam da atmosfera de música e poesia em que te encontro.
Perguntas, amor, apenas perguntas sábias de respostas, perguntas que querem
dizer todas as certezas nas entrelinhas das interrogações.
Não.
Minha vida está imersa em sonho, e não há perguntas, nem há respostas – há
única e exclusivamente a seda de tua pele, a melodia de tua voz, a infinita
beleza de tua sensibilidade e, mais que tudo, há o teu amor, presença mor e
mais valiosa. Deixa, portanto, que eu te diga hoje, meu querido, aquilo que não
é pergunta, nem resposta. Deixa que eu te presenteie com o que o poeta jamais
alcança, com o que o compositor persegue durante toda a vida, com o que o
pintor busca alcançar até a última pincelada. Deixa que eu te presenteie com o
que eu mesma seria incapaz de tocar com a sensibilidade e transformar em
presente; com o que não é lago, nem peixe; barco, nem porto; casa ou ruína; e
também não é estrada, estação; rotina, ou identidade. Mas, apenas e justamente,
o que está no meio de tudo e que, por isso, é o tudo.
Assim,
eu te dou todas as impossibilidades vivenciadas e as músicas encarceradas no
silêncio; as flores, a lembrança das flores e a lembrança do aroma das flores;
o mistério, a luz, a escuridão e a tempestade, e mesmo o sofrimento e o medo,
porque em todas essas coisas sonho e vida se misturam e dão origem a algo que
me parece semelhante com o que me deste: esta intraduzível certeza de estar
completa. Eu sou tua menina, viu? Tu és o meu rapaz. Corpo e alma testemunham o
bem que este amor me faz.
23 de mar. de 2013
Álbum imaginário
Meus olhos têm o hábito
de espiar as cenas da vida
ora por frestas de portas
ora em janelas tardias
ora ainda nas auroras
que reinventam os dias.
Nessa busca pela imagem
tantas vezes escondida
habita o desejo secreto
de flagrar na paisagem
algo de santo, sagrado
repousado num relance
que pode ser flor ou bicho
que pode ser casa ou gente.
Algo, enfim, onde habite
a magia que se sente
quando alma, cor e forma
em um momento solene
compõem um traço divino
que eterniza o presente
Assim chegou a meus olhos
um par rimando seus gestos.
Ele, na oferta do abraço,
Ela, em pleno aconchego.
O sol, brilhando na praça,
O mar, cedendo seus versos.
Sem lentes para guardar o tempo,
convertendo emoção em matéria,
restou-me um flash impalpável
que ficará certamente
no álbum imaginário
que visito constantemente.
Porque ali a vida vive
muito além desta esfera
onde impera intratável
um monstro chamado Quimera.
Ao contrário, nesse álbum
enfeitado de esperança
encontro a centelha divina
que de amar não se cansa.
11 de nov. de 2012
O amor é isso
O amor é isso:
festivo rosto
maldito encosto
reciclado lixo
mordido bicho
caso impensado
sapato usado
sede bandida
fruta comida
curiosa fé
temido pontapé
delícia fatiada
angústia lapidada
infinito abraço
corajoso laço
adjetivo substantivo
substantivo adjetivo
subjetivo
definição nenhuma:
só isso
tudo isso
nada disso
sem adjetivo
sem substantivo
com junção.
Conjunção!
(Christina Ramalho)
4 de nov. de 2012
1 de nov. de 2012
31 de out. de 2012
Anita, minha tia menina
Dizem os estudiosos da mente
humana e de seus mitos que a criança, o adulto e o velho vivem simultaneamente
dentro de todos nós em todas as fases de nossa vida. Por isso, há crianças
cheias de sabedoria, adultos que mantêm viva a alegria e a pureza infantis,
idosos que soltam o riso como crianças, sabem manter o equilíbrio na hora certa
e sempre têm histórias bonitas para contar. Contudo, a correria, as grandes
doses de dor e mesmo a falta de coragem de insistir na busca pela felicidade
fazem com que os que passaram da infância silenciem pouco a pouco a voz da
criança que poderia acompanhá-los e contribuir para que a vida fosse menos dura
e séria. Assim, infelizmente, embora a própria ciência afirme que a criança
está em todos nós, poucos conseguem mantê-la atuante, naquilo que a criança tem
de bonito, positivo, vivo.
Ela, minha tia Anita, é uma menina.
Seu rosto, seus olhos e sua voz revelam a sabedoria de ser menina. Sem deixar
de ser uma mulher, bonita e valente, ela enche a vida de quem a cerca de
diminutivos que possuem o dom de ser colo. Minha tia dá colo com a voz!
Palavras como “filhinha”, “filhinho” e “amorzinho” chegam a nossos ouvidos com
um carinho tão grande que é impossível não sentir por ela uma ternura imensa
que imediatamente se volta em nossa própria direção, oferecendo-nos uma
sensação gostosa de aconchego, de colo. Ela, com seus diminutivos, faz com que
nos sintamos amados. E embora muitas vezes seja ela quem pareça uma menina
pedindo uma palavra de carinho, uma manifestação de afeto ou se saudade, seu
jeito meigo inverte a lógica das coisas e somos nós que ficamos a pedir que não
nos falte nunca o seu carinho.
Menina ela é. Mas menina forte,
menina sábia, que em lugar de colecionar dores coleciona esperanças. Que conserva
a alegria de brincar de casinha e, por isso, é capaz de enfrentar qualquer
reforma sem perder o rumo do sonho de estar sempre cercada de beleza. Não a
beleza imposta pela estética do mundo, mas a beleza como ela a vê. A beleza que
ela quer, nas cores, azulejos, pisos e plantas que ela quer. Porque ela é
menina, e as meninas brincam usando sua imaginação, sua capacidade de imaginar
e criar. Nas pouquíssimas, mas ricas, vezes em que estive em sua casa, jamais
deixei de me encantar com a delicadeza com que ela cuida dos detalhes, com sua
preocupação constante em ter tudo bonito, a seu gosto.
A risada alegre e mesmo certo
biquinho que surge vez ou outra também são manifestações dessa menina. Anita,
minha tia, sorri como os anjos e acaricia como as fadas. E mesmo se fica um
pouco zangada, essa zanga nunca resiste a um pedido de desculpas, um beijo de
perdão, um abraço pedindo compreensão.
Minha tia menina foi mais forte
do que as aparentes determinações do destino e voltou à escola quando poucos
imaginariam que fosse capaz disso. E não voltou somente, voltou contente, com a
mesma ilusão que têm as meninas quando descobrem o mundo através da escola. E
eu bem sei que, não fossem as responsabilidades que tomam seu tempo, e que ela
assume com igual carinho, ela iria ainda mais longe e estudaria mais e mais.
Acho que ela nem sabe, mas eu senti um orgulho danado ao vê-la lutando para
superar as limitações e ter seu diploma. Que tia essa!
Nem falo dos exemplos que deu
enfrentando problemas de saúde inúmeros, ou da determinação com que acolheu os
filhos, os netos, os irmãos e as irmãs, os sobrinhos e as sobrinhas, a
parentada toda, enfim! E agora, bisavó, ela parece ainda mais menina. Basta ver
o brilho nos olhos que surge ao falar do pequenino... E, além disso, a família
enorme se estende além dos laços de sangue, porque há amigos e amigas, vizinhos
e vizinhas, gente de toda parte que sabe muito bem a força que tem a Dona
Anita, minha tia menina.
Agora minha tia menina completa
80 anos. E sabe o que ela faz? Joga o zero fora e reinventa a idade. Faz-se
jovem, bonita, iluminada, e mostra para nós que fazer 80 pode ser fazer 8, 16,
24, 32, 40, 48, 56, 64 ou 72, porque todas as idades podem ser lindas se estão
acompanhadas dessa bela sabedoria de manter viva a criança e brincar com a
vida, sem, contudo, perder o senso de responsabilidade e justiça. Certamente
ela gostaria que eu lhe desse oitenta beijos, porque ela gosta de beijos, de
abraços, de carinho. E, se eu estivesse presente, lhe daria todos. Mas, como
não posso estar com ela, na bela comemoração de seus 80 anos, mando, em forma
de palavras, oitenta agradecimentos pela lição que ela me ensina desde minha
própria infância: manter sempre viva a ternura. Não posso dar os beijos, mas me
conforto na absoluta certeza de que outras pessoas que a amam muito terão
muitos beijos e abraços para paparicá-la como ela merece em seu dia. Assim,
minha tia Anita, aceite meus beijos virtuais e esse sentimento profundo de amor
e gratidão por ter recebido de Deus o presente de ser sua sobrinha.
Parabéns, minha tia menina,
nossa Anita, nossa querida.
Nos 80, nos 90, nos 100 e em
todos os aniversários que virão pela frente, todos nós que a amamos dançaremos
uma valsa suave, doce e delicada ditada pela alegria de tê-la em nossas vidas!
Christina
Outubro de 2010
15 de out. de 2010
Cabo Verde 1
30 de ago. de 2010
4 de ago. de 2010
30 de dez. de 2009
4 de nov. de 2009
1 de out. de 2009
Maria de Todas as Graças
À noite,
ela me agasalha
em seu útero de luz
e sentimento.
De dia,
ela me acompanha,
indicando trilhas
com seus passos.
Onipresente.
Mãe extremada.
Tudo,
quando a vida
parece dizer "nada".
Contar das graças
que recebo,
deixar correr grata
a emoção em lágrima,
tudo é pouco
quando todas
são as bênçãos
de minha Maria,
nossa Maria,
a que vela por nós
quando imaginamos
estar sós.
ela me agasalha
em seu útero de luz
e sentimento.
De dia,
ela me acompanha,
indicando trilhas
com seus passos.
Onipresente.
Mãe extremada.
Tudo,
quando a vida
parece dizer "nada".
Contar das graças
que recebo,
deixar correr grata
a emoção em lágrima,
tudo é pouco
quando todas
são as bênçãos
de minha Maria,
nossa Maria,
a que vela por nós
quando imaginamos
estar sós.
24 de set. de 2009
Tia Rachel
Eu sou a "quase filha",
e, por ser "quase",
tenho mais que lágrimas:
tenho aquela parcela
de comedimento
aquela capacidade de lucidez
que só tem
quem não é carne viva
por inteiro.
Você gostaria dessa foto.
Eu sei que gostaria.
Nela você é o que sempre foi.
Grande estrela.
E você sabia que era.
E, por isso, era
escandalosamente
você.
Por isso,
as feridas abertas na carne,
as unhas fincadas na terra,
o olhar agudo e a mulher terna
(para quem sabia
a estrela que era).
E, por isso, se foi assim:
deixando a dura lição
de partir feliz e radiosa
contrariando a máxima
de que a morte
é uma despedida triste
da alegria da vida.
Mais uma lição da minha tia:
partir majestosa,
dando um olé na vida,
para seguir estrela
pela próxima.
Que orgulho tenho
de que chegue assim,
inteira,
quando antigos prognósticos
diriam: "se foi a pobre Rachel..."
Pobre é quem não sabe
dos tesouros que você
soube criar
transformando pó em ouro,
alquimista dos reveses.
Vai, minha tia,
minha estrela.
Sua luz fica aqui
brilhando nas jóias irmãs
que tenho
e um pouco em mim
também,
"quase filha" que fui
nos braços seus
que me embaralaram
quando vivi meus reveses.
e, por ser "quase",
tenho mais que lágrimas:
tenho aquela parcela
de comedimento
aquela capacidade de lucidez
que só tem
quem não é carne viva
por inteiro.
Você gostaria dessa foto.
Eu sei que gostaria.
Nela você é o que sempre foi.
Grande estrela.
E você sabia que era.
E, por isso, era
escandalosamente
você.
Por isso,
as feridas abertas na carne,
as unhas fincadas na terra,
o olhar agudo e a mulher terna
(para quem sabia
a estrela que era).
E, por isso, se foi assim:
deixando a dura lição
de partir feliz e radiosa
contrariando a máxima
de que a morte
é uma despedida triste
da alegria da vida.
Mais uma lição da minha tia:
partir majestosa,
dando um olé na vida,
para seguir estrela
pela próxima.
Que orgulho tenho
de que chegue assim,
inteira,
quando antigos prognósticos
diriam: "se foi a pobre Rachel..."
Pobre é quem não sabe
dos tesouros que você
soube criar
transformando pó em ouro,
alquimista dos reveses.
Vai, minha tia,
minha estrela.
Sua luz fica aqui
brilhando nas jóias irmãs
que tenho
e um pouco em mim
também,
"quase filha" que fui
nos braços seus
que me embaralaram
quando vivi meus reveses.
19 de set. de 2009
Buhardilla
luzes idéias
livros telas
canto descanso remanso
tintas recortes
fotos velas
um pouco de tudo
o nada
e eu
metida nela.
livros telas
canto descanso remanso
tintas recortes
fotos velas
um pouco de tudo
o nada
e eu
metida nela.
12 de set. de 2009
Despertador
O que me toca
nesta hora
é susto.
Não.
A vida, sim,
é susto
................................sem botão para apertar
hora após hora
susto após susto
até o despertador
................................tão indesejado das gentes.
nesta hora
é susto.
Não.
A vida, sim,
é susto
................................sem botão para apertar
hora após hora
susto após susto
até o despertador
................................tão indesejado das gentes.
5 de jun. de 2009
18 de fev. de 2009
Rapidinho
Entre tintas,
paredes,
cores previstas,
improvisos,
mãos e mente
coloridas,
mas ressecadas
e antigas,
abre-se a fenda do tempo:
estou aqui
(mesmo esquecida de mim).
paredes,
cores previstas,
improvisos,
mãos e mente
coloridas,
mas ressecadas
e antigas,
abre-se a fenda do tempo:
estou aqui
(mesmo esquecida de mim).
27 de dez. de 2008
4 de out. de 2008
Poetar... por quê?
Um corpo poroso. Um mata-borrão. Um sentimento de urgência atado ao dia-a-dia. Movimento de resistência às forças que estagnam. Mola-mestra para as tentativas de tradução dos enigmas do mundo. Desejo vivo de ir além da morte. Filtro colocado na boca do esgoto. Rosa-dos-ventos. Biruta, indicando os ventos; biruta, amalucando o planeta. Galo cantando manhãs. Cigarra cantando tardes. Coruja piando noites. Panfleto vermelho jogado no chão. Munição, arma, desejo de guerra. Mansidão, flor, desejo de paz. Teia de aranha nas prateleiras. Folha no chão dizendo “É outono!”. Suor no rosto dizendo “É verão!”. Cachecol no pescoço dizendo “É inverno!”. E todas as primaveras no corpo ao mesmo tempo. Ampulheta acionada pela voz da urgência. Onda batendo forte, onda serpenteando mansa. Farol no meio do mar. Oásis no deserto. Pronto Socorro. 0800. Palavras gritando contra o silêncio que aflige. Palavra revestida de outra palavra. Palavra reinventada na boca de espera. Palavra ensimesmada querendo amigo. Palavra em estado de graça plantada na realidade sem graça. Palavra ainda sem nome nascendo dos acontecimentos. Palavra surda e muda com linguagem de sinais própria. Palavra com medo. Palavra sem medo. Palavra sem dinheiro. Palavra que não se cala. Palavra que canta. Eis o poeta.
Por que poetar? Porque, além das livrarias e das bibliotecas, além dos comércios e dos críticos, além muito além do improvável sucesso, há, no poeta, uma angústia incessante de dizer, no sentido transitivo de expor, enunciar, exprimir por palavras; proferir; discursar; recitar, declamar; mandar, ordenar; rezar; mostrar, indicar; referir, narrar; dar a conhecer, apregoar; apontar, censurar; supor, imaginar; afirmar, asseverar; estar inclinado a crer, ter opinião, parecer; chamar, denominar; aconselhar, persuadir; aquilo que lhe vem como verbo intransitivo. Poetar, porque, acima das antologias e das histórias literárias, acima das feiras e das bienais, acima muito acima das listas dos mais lidos, há, no poeta, um livro infinito a ser escrito em forma de livros finitos. Há, no poeta, um menino sempre vivo que fala o que sente porque é menino, e um velho, muito velho e sabido, que converte em símbolos as palavras do menino para que este não apanhe e deixe, por isso, de ser menino.
E porque o poetar não exige tempo nem espaço para existir como pulsão; e porque o tempo e o espaço se inscrevem no poetar como matéria-prima de uma fábrica pré-existente; o poeta (e o contista e o cronista e o romancista e o dramaturgo e todas essas palavras no feminino), escravo do fabricar, vive, ele próprio, além das fronteiras. Ontem, hoje ou amanhã, não importa. A poesia é o mundo sendo. A poesia é o gerúndio. E o poeta, o galo, a cigarra e a coruja sustentando bravamente o gerúndio da poesia.
Christina Ramalho
(para Filipe e seus alunos do PH, no dia 30 de setembro de 2008)
11 de abr. de 2008
Chuvas
Chove no nordeste. Chove em Natal. Minha cidade-sol anda molhada e esquecida de seus azuis. Todavia, ainda linda, irradia aquela paz nordestina e, de vez em quando, deixa que alguns raios atravessem as nuvens como a brincarem de nos dizer que logo voltarão a saracotear pelas praias.
Chove no nordeste. Natal continua linda. Mas há gente sofrendo. Gente mergulhada na água antes tão escassa e desejada. Como em Vidas secas, a chuva parece debochar de destinos tão carregados de privações. Assisto às reportagens e me pergunto: o que temos feito por essa gente? Por que tanto sofrimento batendo em nossas retinas como um espelho? E por que tão poucos reflexos a espargir soluções?
Chove no meu pensamento. Alagada como o nordeste, a mente se espanta com o fato de eu conseguir extrair alegria da vida, da cidade, do sol e da tempestade enquanto há gente boa, gente trabalhadora e sofrida sem motivos para qualquer alegria. Que egoísmo é esse que me faz conseguir ser feliz em meio a mulheres de rostos doces e marcados que choram suas casas perdidas, seu abandono?
Chovem paradoxos no mundo. E eu, repentinamente, me vejo do lado mais cruel. Aquele onde residem os que perderam muito pouco e acham que sabem de tudo.
(11 de abril de 2008)
16 de mar. de 2008
Alice, a menina-arraia
Hoje, dia 16 de março, foi dia de praia. Tabatinga, Nísia Floresta, Rio Grande do Norte. Sem as filhas, que sempre compõem comigo o trio Chris/Gabi/Isa, a não ser que o plano seja "praia", tive a alegria de uma pequena parceira: Alice, minha sobrinha de 10 anos de idade.
O céu estava quase limpo. Uma ou outra nuvem dava à paisagem aquele ar de "motivo para uma pintura", já que nuvens brincando de desenhos no céu sempre enfeitam as marinhas. A cor do mar trazia azuis de várias gamas, e a temperatura das marolas certamente impediria que o desejo de abandonar as águas surgisse. Assim, antes dos mergulhos, Alice e eu passeamos pela beira do mar sem pressa. Eu, mostrando a ela a beleza daquele pedaço do Rio Grande do Norte; ela, alegre, perseguindo os filhotinhos de siris até conseguir colocar um em sua mão. Depois do passeio, enfim, a água.
Alice, menina-arraia, tornou minha manhã um aquário natural, onde a "tiabarão" ou a "chrisbarão" e a pequena e loira arraia brincavam de lutar, pular, abraçar, perseguir, e mesmo, simplesmente, largar o corpo no ritmo das marolas e entrar em sintonia com o indescritível. Menina-arraia levada e carinhosa, era só abraços e risos, sem saber que, com seus gestos, dissipava a solidão da tia (que anda em tempo de maresias) e preenchia a saudade que todos os dias 16 de março sempre trarão. Talvez, naquele oceano de azuis, um Arthur golfinho brincasse também e, assistindo à alegria da priminha e da mãe, que há dezoito anos vive sem ele, se sentisse igualmente pássaro e livre, pronto para partir novamente, depois do reencontro anual com aquela mulher que jamais esqueceu os olhinhos azuis do filho. Brincadeira e lembrança tinham sal, mas sal da vida, não da morte.
No final, ritual de caranguejo, casquinha-de-siri, sorvetes e cocas zero cumprido, voltamos juntas cantando o "Pelados em Santos" e o "Rindo à toa". Mar, amar, brincar, cantar. A rima pobre de sempre fazendo rica a vida da gente.
Em Tabatinga, Alice, menina-arraia, compôs um dia feliz para mim, quando eu pensava que teria um 16 de março sem água, sem azuis, sem peixes, sem brincadeira. Ei, menina-arraia, valeu!!
13 de mar. de 2008
Tempestade em Natal
Berros sacodem as janelas do meu quarto, antecipando o despertador. Tempestade em Natal. Entreabro as cortinas. Meu azul fez-se branco e bravo, e chora violento, espargindo angústias sobre telhados e vidros. Buscar Apolo é uma impossibilidade tão grande, que imediatamente recolho olhos e desejo e volto a buscar as cobertas para esconder minha solidão.
Talvez a cidade brinde essas águas. A sede do sertão será aliviada. O calor deixará de ter a força aguda que franze as testas. As flores das avenidas certamente estarão viçosas amanhã ou depois, quando a chuva se for. E o curso da vida seguirá nos espelhos d’água que ainda ficarão nas avenidas.
Mas eu contarei no relógio o tempo que me separará de Apolo. Ele é o único que sabe derramar luz em mim.
13/03/2008
Talvez a cidade brinde essas águas. A sede do sertão será aliviada. O calor deixará de ter a força aguda que franze as testas. As flores das avenidas certamente estarão viçosas amanhã ou depois, quando a chuva se for. E o curso da vida seguirá nos espelhos d’água que ainda ficarão nas avenidas.
Mas eu contarei no relógio o tempo que me separará de Apolo. Ele é o único que sabe derramar luz em mim.
13/03/2008
5 de mar. de 2008
Uma crônica-ode por falta de versos competentes
Ter poetas entre os amigos é algo marcante na vida de qualquer pessoa. Embora poemas alheios a seus autores sejam acessíveis a nós, bastando, para isso, que busquemos tê-los por perto, quando quem está próximo de nós é um poeta (ou uma, registre-se bem), não tem jeito: algo que muitas vezes nem pensaríamos em buscar se apresenta diante de nós, instigando-nos o tempo todo a romper com a monotonia do pensamento 3 X 4. Um amigo poeta é colírio, é susto, é aquele par “anjo/demônio” soprando gracejos em nossos ouvidos. Pensamos: “o mundo é uma merda!” E nosso amigo poeta diz a mesma coisa. Mas não diz a mesma coisa. Diz mais. Diz diferente. Diz de um jeito tão danado de bom, que, de repente, passamos a olhar para o tal “mundo merda” com olhos que não tínhamos. E, como uma contradição, ao olharmos para o mundo através dos olhos que a poesia construiu em nós, ele, o mundo, também de repente parece não ser “tão merda” assim... afinal, não é que nele habita um poeta? Falo isso e me lembro do poema “Fardo (a consciência do zero, 1981)”, do livro Rarefato (1990), de Frederico Barbosa:
tenho que
tentáculos afiados tentando
fincar a vista futura feito
oráculo
não sou cego não sossego
Raio de poeta que nega Homero para ser um. Raio terrível de poeta que brinca de dizer quão aguda é a palavra que percebe além de nós, que guarda lince nos olhos, angústia na consciência do vaticínio que nem vaticínio é, porque não há sequer espaço para a consolidação da imagem que se previu. O mundo acelera o poema, que morre logo depois do ponto final. Isso, poeta, não use o ponto final. Não sossegue. Nunca.
Ter poetas entre os amigos é essa coisa angustiante de se ver invadido/a por esses tentáculos afiados e ter que sobreviver sem as sobras do que éramos antes do poema. Poemas cuspidos em nossa cara, em nosso cotidiano, em nossa mesquinha necessidade de pularmos contentes dentro da bolha que nos protege, sem perceber que ela é de sabão. Amigos poetas, com sua chuva de sentidos, exigem de nós reinaugurações constantes. É um “reinventar-se” que não acaba nunca. É aquela consciência de ser o solitário entre as gentes, de ser o sobrevivente cuja reinauguração jamais é suficiente, como me faz recordar outro amigo poeta, o Luiz Otávio Oliani, no poema “Fatalidade”, do livro Fora de órbita (2007):
a vida pulsa em hiatos
e não sei pedir socorro
camaleão fora do ventre
transmudo a cor à revelia
mas a morte não é daltônica
Outra vez sem ponto final. Outra espetada na consciência tão placidamente sentada na ante-sala do existir, isenta de poemas, como uma vida (?) confortável deveria ser. E, no entanto, todavia, contudo, porém, vem-nos o amigo poeta, com seu poema dizer não o que precisamos ouvir, mas o que precisamos ter para dizer. E a não daltônica morte visita nossa ante-sala soando todos os alarmes e dizendo: “Não há sala!! O que você está fazendo aí? Esperando o quê?” Ele não pede socorro, mas nos socorre. Sina maldita.
tenho que
tentáculos afiados tentando
fincar a vista futura feito
oráculo
não sou cego não sossego
Raio de poeta que nega Homero para ser um. Raio terrível de poeta que brinca de dizer quão aguda é a palavra que percebe além de nós, que guarda lince nos olhos, angústia na consciência do vaticínio que nem vaticínio é, porque não há sequer espaço para a consolidação da imagem que se previu. O mundo acelera o poema, que morre logo depois do ponto final. Isso, poeta, não use o ponto final. Não sossegue. Nunca.
Ter poetas entre os amigos é essa coisa angustiante de se ver invadido/a por esses tentáculos afiados e ter que sobreviver sem as sobras do que éramos antes do poema. Poemas cuspidos em nossa cara, em nosso cotidiano, em nossa mesquinha necessidade de pularmos contentes dentro da bolha que nos protege, sem perceber que ela é de sabão. Amigos poetas, com sua chuva de sentidos, exigem de nós reinaugurações constantes. É um “reinventar-se” que não acaba nunca. É aquela consciência de ser o solitário entre as gentes, de ser o sobrevivente cuja reinauguração jamais é suficiente, como me faz recordar outro amigo poeta, o Luiz Otávio Oliani, no poema “Fatalidade”, do livro Fora de órbita (2007):
a vida pulsa em hiatos
e não sei pedir socorro
camaleão fora do ventre
transmudo a cor à revelia
mas a morte não é daltônica
Outra vez sem ponto final. Outra espetada na consciência tão placidamente sentada na ante-sala do existir, isenta de poemas, como uma vida (?) confortável deveria ser. E, no entanto, todavia, contudo, porém, vem-nos o amigo poeta, com seu poema dizer não o que precisamos ouvir, mas o que precisamos ter para dizer. E a não daltônica morte visita nossa ante-sala soando todos os alarmes e dizendo: “Não há sala!! O que você está fazendo aí? Esperando o quê?” Ele não pede socorro, mas nos socorre. Sina maldita.
Ter poetas entre os amigos é, assim, estar sempre cutucando aquela feridinha antiga, numa espécie de ritual sadomasoquista, em que somos algozes e vítimas. Algozes, porque amamos nossos amigos poetas mais do amamos a nós mesmos, logo, com eles aderimos à desconstrução do mundo e viramos guerreiros absurdos com baionetas que atiram fonemas e ferem alguns poucos ouvidos atentos. Vítimas, porque, embebedados por suas palavras, saímos mesmo por aí, atirando em tudo, principalmente em nós. E, no entanto, todavia, contudo, porém, e todas as adversativas que os amigos poetas nos trazem, ressuscitamos a cada novo poema, como conseguiu fazer Lau Siqueira, com seu “Bobo da corte”, do livro Texto sentido (2007), quando chegar aos 44 me pareceu uma convocação iminente ao inventário. Não precisei fazê-lo. Estava ali, no poema, disfarçado em outro número:
o que sinto nesses quarenta e seis vértices ungidos
que ora espetam ora aguçam os sentidos
é que cada momento vai roendo os ossos e a
dormência do impossível tomando conta de tudo
que é a b s o l u t o
o que comove nesses anos cumpridos entre
verdades amargas e doces mentiras é que apesar
de tudo ainda pude semear as sobras da minha
inquietude
poemas derramados espalhados no tabuleiro do
que tanta vez provoca o asco afirmativo da
existência
o que colhi entrementes nem sempre foi da
melhor safra mas ainda estou aqui escrevendo
versos ligeiramente aptos às consagrações do
esquecimento
o vazio dos olhares atônitos já não apavora
o medo há muito perdeu o sentido
ouço o ruído das horas passando ao largo de uma
vida que se cumpre para muito além das paisagens
guardadas na retina
e sorrio como se fossem oráculos os galhos do
cajueiro que vejo pela porta entreaberta sob o
mantra estridente dos sagüis que resistem
nos esgares da mata
habito meu silêncio
e ouço atentamente a imensidão e a quietude
de tudo que grita e se move
o que está posto é muito mais do que posso
por isso sigo em frente
derrubando os muros que possam afastar
as matilhas da ternura
as águas que passaram nesse rio jamais ficaram
turvas por isso não me curvo e
vou indo vou
rindo de tudo
embriagado com minha própria sede
como um homem que transita pela consciência
dos caminhos jamais percorridos
vou passando
passeando pelo mundo
Raio de amigo poeta que sempre sabe antes de nós, que parece rir das neuroses que, sob suas rédeas, se fizeram metáforas, esvaziando as reverberações super apelativas de nossas emoções indomadas. Ele doma. Molda. Apropria-se. Indo e rindo de si, de tudo, de nós, passeia mesmo. O que, em nós, é inventário, nele é verso malemolente, rio sinuoso de palavra trânsito. Que passa. Mas sem ponto final. Outra vez. E o “mundo merda” é tão mais que isso, só porque ele está ali. O inventário dói. E batemos palmas para a dor, porque nem mais dor sabíamos sentir.
Ter poetas entre os amigos é, enfim, ver-se, como eu, ridiculamente compelida ao texto ode, ao puxa-saquismo deslavado, àquela vontade de dar um abraço bem grandão nesses sujeitos tão descaradamente sábios e néscios, malabaristas 24 horas por dia caminhando nos fios do desejo que a palavra tece e arrebenta bem no meio da caminhada. Cai o poeta e nos leva (amigo...) com ele. Do tombo, surge outro poema. Nele. E outro hematoma. Em nós. Merda de mundo legal esse em que “merda” pode ser bom agouro. Sorte. Isso é ter poetas entre os amigos.
Christina Ramalho
5 de março 2008
(inédita)